Olha,
antes do ônibus partir
eu tenho uma porção de coisas pra te dizer,
dessas coisas assim que
não se dizem costumeiramente,
sabe,
dessas coisas tão difíceis de serem ditas
que geralmente ficam caladas,
porque nunca se sabe nem como
serão ditas nem como serão ouvidas,
compreende?
Olha,
falta muito pouco tempo,
e se eu não te disser agora talvez
não diga nunca mais,
porque tanto eu como você
sentiremos uma falta enorme dessas coisas,
e se elas não chegarem a ser ditas
nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos
com tudo que existimos,
porque elas não foram existidas completamente,
entende,
porque as vivemos apenas naquela dimensão
em que é permitido viver,
não,
não é isso que eu quero dizer,
não existe uma dimensão permitida
e uma outra proibida,
indevassável,
não me entenda mal,
mas é que a gente tem tanto medo
de penetrar naquilo que não sabe
se terá coragem de viver,
no mais fundo,
eu quero dizer,
é isso mesmo,
você está acompanhando meu raciocínio?
Falava do mais fundo,
desse que existe em você,
em mim,
em todos esses outros com suas malas,
suas bolsas,
suas maçãs,
não,
não sei porque todo mundo
compra maçãs antes de viajar,
nunca tinha pensado nisso,
por favor,
não me interrompa,
realmente não sei,
existem coisas que a gente ainda não pensou,
que a gente talvez nunca pense,
eu, por exemplo,
nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer
além de tudo o que já foi dito,
ou melhor pensei sim,
não,
pensar propriamente dito não,
mas eu sabia .
Maravilhoso...
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