quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sobre o mais Profundo



Olha, 

antes do ônibus partir 

eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, 

dessas coisas assim que 

não se dizem costumeiramente, 

sabe, 

dessas coisas tão difíceis de serem ditas 

que geralmente ficam caladas, 

porque nunca se sabe nem como 

serão ditas nem como serão ouvidas, 

compreende? 

Olha, 

falta muito pouco tempo, 

e se eu não te disser agora talvez 

não diga nunca mais, 

porque tanto eu como você 

sentiremos uma falta enorme dessas coisas, 

e se elas não chegarem a ser ditas 

nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos 

com tudo que existimos, 

porque elas não foram existidas completamente, 

entende, 

porque as vivemos apenas naquela dimensão 

em que é permitido viver, 

não, 

não é isso que eu quero dizer, 

não existe uma dimensão permitida 

e uma outra proibida, 

indevassável, 

não me entenda mal, 

mas é que a gente tem tanto medo 

de penetrar naquilo que não sabe 

se terá coragem de viver, 

no mais fundo, 

eu quero dizer, 

é isso mesmo, 

você está acompanhando meu raciocínio? 

Falava do mais fundo, 

desse que existe em você, 

em mim, 

em todos esses outros com suas malas, 

suas bolsas, 

suas maçãs, 

não, 

não sei porque todo mundo 

compra maçãs antes de viajar, 

nunca tinha pensado nisso, 

por favor, 

não me interrompa, 

realmente não sei, 

existem coisas que a gente ainda não pensou, 

que a gente talvez nunca pense, 

eu, por exemplo, 

nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer 

além de tudo o que já foi dito, 

ou melhor pensei sim, 

não, 

pensar propriamente dito não, 

mas eu sabia .



- Caio F. Abreu




1 comentário:

Intensidade

A minha foto
Sou quebra-cabeça de 500 mil peças, quem não tiver capacidade, tenta um jogo mais fácil. Eu supero e agradeço.